A Guerra dos Roses – por Rosana Serena
1. A Guerra Dos Roses
Considerado uma comédia de humor negro, o filme A Guerra dos Roses , conta a história de um casal comum, em um casamento rotineiro, que como qualquer outro par, prosaicamente se constituí na formação de uma família em busca de conquista e segurança afetiva e material, até o ponto em que se rompe o dique da normalidade e entram em um jogo de agressividade escancarada e descontrolada, chegando ao final trágico da morte de ambos, pela violência como ponto de transposição externa da agressividade.
De fato, este é um filme muito sério por seu conteúdo, e se encararmos com a seriedade que merece ,veremos que se trata da tragédia do humano no que tange ao tema da agressividade e violência, que eclode explosivamente a um momento da vida do casal e desreprimidamente, corre solta como um rio furioso arrastando tudo em sua corrente caudalosa. O filme marca o ponto em que a agressividade humana toma a forma de violência em todas as suas formas, e de como é possível a violência se suceder e se manifestar no mais comum da realidade humana!
O jovem casal Oliver e Barbara, se encontra em um evento no qual disputam uma pequena estátua japonesa e desta primeira aproximação se origina a relação do casal que terminará em casamento. Esta disputa inicial quiçá sutilmente, queria nos indicar a trajetória desse afeto marcado pela rivalidade narcísica do outro com o seu semelhante, desde o seu princípio.
Casados, o casal tem dois filhos Josh e Carolyn e trabalha arduamente para conquistar sua realização material. Oliver tem uma carreira bem sucedida, Barbara é uma garçonete e vive as voltas com as crianças que são mimadas e indolentes.
O marco manifesto do ressentimento subjacente, e que revela a marca de agressividade que permeia a relação do casal, se demonstra no jantar com os sócios de Oliver aos quais ele quer impressionar, ocasião em que Barbara é muitas vezes deselegantemente e intencionalmente interrompida por Oliver. Ato contínuo, como um disparador emocional de sua agressividade, ela passa a implicar expletivamente com riso do marido. E o despertar desta raiva que lhe parece irracional e incontrolável, é o ponto que marca definitivamente a denegação de sua agressividade, por lhe ser tão incompreensível.
A vida segue seu curso e o casal progride financeiramente, compra e decora lindamente uma mansão, e com os filhos crescidos, Barbara monta seu próprio negócio. Tudo parece estar indo muito bem, não fosse à grande e constante irritação que lhe causa o marido e que vai gradativamente aumentando e aumentando sua agressividade dirigida ao marido. Oliver por outro lado, mostra-se aparentemente alienado de sua própria situação afetiva emocional do relacionamento, no entanto, observamos que a anulação de seu par em forma de descaso é um modo bastante expressivo de sua agressividade.
É, portanto, significativa a cena em que Oliver com um contrato na sua mão que Barbara lhe pedira para analisar, displicentemente mata com ele uma mosca. Ela responde a esse descaso, como forma de anulação, raivosamente ligando todos os aparelhos da cozinha ao mesmo tempo, o que nesse momento manifesta mais claramente a sua agressividade contida. Nesta mesma noite começam as manifestações físicas das agressões entre o casal, que chega a lutar corporalmente na cama, apontando para o ponto de rompimento da contenção da agressividade.
Após um suposto fatal ataque cardíaco em que Oliver é deixado à sua própria sorte no hospital, e o sentimento de Barbara de alívio com esta suposta morte, ficar denotadamente claro, o casal decide separar-se.
Começa a luta do casal pela posse da casa e dos bens, como pano de fundo de uma disputa de velhos rivais narcísicos, reatualizada e reiniciada desde o ponto inaugural do primeiro encontro.
Poderíamos com certeza afirmar qual dos parceiros será o responsável pela avalanche dos efeitos da agressividade de um contra o outro, que se seguirá, uma vez que o que se rompe é o dique de represamento interno e individual de cada um dos parceiros!?
As cenas do filme são a partir daí, da mais pura violência de um contra o outro. Violência produzida pela impossibilidade do se fazer dizer, que aparecerá no esplendor de sua forma moral, emocional e física. Convidados a participar da emoção, os espectadores podem sentir todo o desconforto de uma revelação do absurdo da violência entre parceiros, entremeada por um aumento de potência mortífera, por não poder ser contida por nenhuma simbolização mediadora e apaziguadora dessa relação, de cada um com sua própria agressividade.
Curto-circuito da palavra não-dita se esparramando destrutivamente até consumação final, que traz a morte como coroamento para ambos os jogadores desse combate mortal!
Destruição emocional tornada física, temos muito o que aprender com essa suposta comédia de humor negro a respeito do humano!
2. Uma conclusão em sua tentativa de algo a concluir
Tomamos alguns pontos conceituais que nortearão nossa reflexão a partir das leituras das cartas trocadas entre Einstein e Freud, em 1932 e do relatório apresentado por Lacan no Congresso de Psicanalista em Bruxelas de 1948 .
1) A agressividade e violência são dois conceitos diferenciados embora possam estar interligados.
2) Para Freud o ódio é mais antigo que o amor e acontece na etapa de diferenciação do eu e não eu.
3) A constituição de um ideal pelo eu, o narcisismo, comporta a agressividade do sujeito, que é, portanto constitutiva do eu.
4) A agressividade para Freud está no campo dos efeitos da pulsão da morte.
5) Para Lacan o fundamento da agressividade é a identificação narcísica e a estrutura do eu.
6) Vinculada a estrutura do eu a agressividade assume caráter permanente.
7) Lacan demarca uma violência diante do impossível de dizer por falta de simbolização que pode levar à passagem ao ato.
8) “O que se pode produzir em uma relação inter-humana é a violência ou a palavra Lacan (1957-58/ 1999:468).”
9) A agressividade pode ser recalcada e ou sublimada desde a mediação simbólica.
10) E finalmente a agressividade e violência exigem sempre uma renúncia por parte do sujeito de sua própria satisfação, tanto no que se refere ao sintoma quanto ao gozo.
Nesta reflexão sobre a agressividade e violência, vimos que a agressividade humana é inerente e interna do humano, quer seja pelo destino pulsional de sua organização libinal, quer seja como constitutiva do eu a partir de sua própria matriz organizacional de identificações.
Podemos por esta conceituação, afirmar com certeza que a agressividade é um “mal” de todos nós, que nos habita como parte de nós mesmos. E é exatamente a este ponto, que nos permitimos questionar por que uns a transpõe para fora como forma de agressão ao outro que, lembrando Freud, é quando ela se torna destrutiva, e pura pulsão de morte? E porque outros, a contém internalizadamente represada, ou ainda tem a capacidade se utilizá-la como uma das forças que coalizada à outra, a pulsão de vida, impulsionam o indivíduo para a vida e mesmo para a conquista do objeto de amor?
Dando um passo mais adiante nessa reflexão podemos captar no sentido de compreender, o exato momento em que por uma incapacidade do sujeito de simbolização, haverá uma passagem ao ato, em que tal agressividade num curto-circuito se transformará em violência, pelo ato em si de agressão?
No entanto, é preciso destacar que a violência encontra sua forma e razão, não apenas na forma de agressão física. A violência moral das ameaças e acusações contra o outro encontra a mais genuína e violenta de suas formas. A violência emocional é a mais destrutiva de todas as violências, pois atrapa o outro no âmago de sua própria questão como sujeito, esboroando com seu suposto arranjo de equilíbrio emocional.
Violência física, violência atuada, traz também a dimensão da destruição moral e emocional. E é preciso aqui ressaltar com a importância que merece o tema que a ameaça de violência é tão violenta quanto à atuada, por seu efeito psicológico devastador. Corpo psíquico, atingido mortalmente!
Violador e violado, jogo jogado a dois! O violador é quem violenta o outro, no ponto certeiro da sua questão de ser humano onde sua própria agressividade dessabida é convocada, e, o faz vacilar de sua certeza de si mesmo, de seu amor, e sua ética. Bicho humano pego na armadilha de sua própria humanidade!
Jogo de agressividade e violência jogado num turbilhão de emoções ambivalentes e desconexas postas em ação, sem a mediação de uma simbolização pacificadora. Seria preciso saber de si, dessa internalização inconsciente da própria agressividade para poder recuar do jogo de agressividade e violência mortífera. Sem contenção, ou recuamento, a pena é quebrarmos a casa e nos ferirmos mortalmente em combate.
Nesse jogo, jogado pelo jogo da própria agressividade e violência irreconhecível, a princípio, pela denegação, é preciso se advertir de que cada um se permitirá ou não jogar, com suas peças, legislado que estará pelo seu próprio inconsciente.
De qualquer modo nos permitimos questionar, por que alguns têm a chave dessa porta fechada à violência e outros não?…
E a esse ponto deveríamos entrar pelo caminho de repensar a organização estrutural do sujeito, o que deixaremos como um novo ponto de partida desta reflexão.
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