O estranho – por Rosana Serena
Ninguém saberia como classificá-lo! Descrever-lhe era fácil, invejoso e maldoso estava sempre arquitetando represálias contra todos aqueles que ele considerava impedirem seu acesso a plenitude total. Tumultuado e tumultuador está sempre fazendo barulho, quebrando regras e perturbando as pessoas com suas reivindicações exigentes e queixosas. Considera-se delirantemente meritório de todas as honrarias e reverências humanas e estava sempre enfurecido, porque não lhe prestavam tais homenagens. Eram comuns seus ataques de fúria e agressividade, quando então se voltava contra aquele que no momento era o nomeado impedidor da vez. Não se via como era dependente, explorador e preguiçoso até a conseqüência de não assumir qualquer responsabilidade mínima...
Quase santa… – por Rosana Serena
Eu lhe telefono e lhe pergunto como está… E com a voz suave e terna que penso terem os seres angelicais ela me diz a que está em paz, na santa paz! Beatitude transcendental entrecortada por uma grave dispnéia! Comovida e um tanto surpresa me pergunto como isso é possível em meio a tanto sofrimento físico. Em sua quase total falência pulmonar ela tira e retira o respirador para poder fumar. Diz que nasceu para isso entre uma tragada e outra que sente-se feliz. Sua condição cardiológica é grave, os membros inferiores enegrecidos denunciam a falta de circulação sanguínea, mas não faz caso disso. Quase não se movimenta, pois o esforço para as tarefas rotineiras já não pode mais executar devido à dificuldade respiratória, mas isso não lhe...
O que me falta? – por Rosana Serena
E tudo está lhe indo tudo bem! Muito bem! Sozinha criando os filhos e enfrentando as contrariedades e os reveses, jamais esmoreceu. Sempre acreditou que tinha forças para seguir adiante, e em frente e firme era sempre o seu rumo, e ela havia chegado aonde se propusera! Teve grandes perdas pessoais, mas não vacilou no enfrentamento da dor e do luto, e seguiu adiante corajosamente! Na carreira profissional no início colheu amargas derrotas até porque aos parceiros profissionais fazia sombra, mas jamais recuou do sucesso! Aos seus, não lhes faltava nada, pelo menos não que lhe causasse desconforto e aflição por não poder lhes atender. Os filhos encaminhados, o marido gentil parceiro, a essa altura da vida era seu esteio amoroso de amparo afetivo! Sociável...
Refém! – por Rosana Serena
Ela sempre está a toque de caixa, sua família numerosa está sempre alguma coisa a lhe demandar. E ela sentia penosamente, pesar-lhe nos ombros todo o compromisso de uma grande família! Será?… _ Vamos, vamos! Era o que ela mais ouvia deles a lhe cobrar agilidade rapidez no atendimento de um pedido que tinha sempre o peso de uma exigência. Ou assim era como ela entendia?… Atabalhoadamente seguia atendendo pedidos e mais pedidos, ou seria mais correto dizer, cumprindo ordens, pois os tais pedidos tinham para ela a conotação de verdadeiras ordens. Ou seriam internas essas vozes?… Tinha o sentido do compromisso! Lá estava sempre ela, extremamente cansada de ser tão responsável por tudo e todos, ao mesmo tempo em que ciosa e zelosa desse...
Ai de mim! – por Rosana Serena
Ela é aquela que está sempre a se queixar de todos os males do mundo que estão a lhe assombrar, mesmo quando sendo tão jovem e bonita tudo ela teria para estar a se maravilhar. Seu enorme sofrimento não tem como aplacar, pois não há nada que você possa lhe dar, para esse sentimento se alterar, pois ela é aquela que está sempre de uma dor de alma a se lamuriar. Os amigos estão sempre a lhe amparar e se desgostam e se desgastam de tanto tentar lhe apoiar, e quanto mais essas dores querem aplacar tanto mais ela estará a se judiar. Por que ela sofre se você tenta com seu amor lhe consolar, porque aí parece que ela fica sem ter do que sofrer, e isso, um dano a mais, irá lhe causar. Sofre de tudo essa menina!…Do que vê na TV, do cãozinho...
Rosebud (Cidadão Kane) – por Rosana Serena
Estamos em 1941, em um quarto ricamente mobiliado, em seu leito o personagem mansamente morre, deixando cair delicadamente das mãos um pequeno globo de neve com seus flocos agitando-se na queda, enquanto o pequeno objeto rola pelo chão espatifando-se, ele pronuncia em um sussurro sua última palavra: “rosebud”. As próximas cenas mostram a cobertura jornalística do evento, com cortejo fúnebre do cidadão Kane saindo de Xanadu. A mais rica mansão já construída, o locutor reporta, enquanto descreve Xanadu como um monumento do prazer, construída por Kubla Kan[1] assim também chamado Kane, o magnata. A maior mansão privada já construída, ele afirma, enquanto descreve-a como uma montanha particular construída no deserto da Costa do Golfo, na Flórida,...