O imperativo dos sentidos – por Rosana Serena
1 O filme de Oshima
O Império dos Sentidos
Considerado equivocadamente como o melhor filme erótico de todos os tempos o filme nos aponta para o paroxismo sexual até onde o próprio corpo não pode sustentar!
Se há um erotismo ele não segue os padrões do puro incitamento do exercício de uma sexualidade frouxa, se não com a mais pura intenção de provocar uma profunda reflexão sobre a sexualidade humana.
No filme apenas dois personagens se entregando a experiências sexuais, obcecadas com o pleno prazer do corpo até o ponto último de sua possibilidade.
O tema é a possibilidade de uma conduta sexual para chegar ao gozo sem obstáculo, e a trama utilizada pelo diretor é nesse derredor, criada pela história de uma prostituta que empregada em uma casa rica torna-se a amante do patrão, do início terno até a perda total do controle.
No filme, o ato sexual é mostrado de forma fria e as cenas não correspondem aos estereótipos de filmes eróticos, e quem o procurou ver com esse objetivo sai desiludido.
Nagisa Oshima baseou-se em uma história real, mas o que quer discutir e que esses atos de matar e emascular são a culminação de um processo de paroxismo sexual levado até a sua última dimensão.
A direção de Oshima é meticulosamente construída, desde a fotografia os figurinos e principalmente no enquadramento das cenas do casal.
O sexo entre eles é exaustivo e devorador. Há cenas de flagelo físico. E em sua devassidão tornada desbragadamente pública arrasta consigo, supostos expectadores passivos, pela condição de serem serviçais, até se tornarem ativos participantes das orgias sexuais.
O amante pede para ser estrangulado como forma de aumentar o seu prazer e usando a faixa de seu quimono ela o estrangula e ele consentâneo se deixa estrangular até a morte.
Sada decepa-lhe o pênis e vagueia com ele, introduzindo em sua vagina, pelas ruas da cidade num estado de transe, até finalmente ser presa.
Os personagens masculino Kichizo, e o feminino Sada, cujo o nome não seria por acaso, pois o que vimos são as formas violentas do sadismo proposto ou elencado na obra de Marquês de Sade, Cento e Vinte Dias em Sodoma.
2) O romance de Sade
Cento e Vinte Dias de Sodoma
O livro foi escrito em 1785, em trinta e sete dias, em rolo de papel de 20 metros enquanto Sade esteve preso na Bastilha. O manuscrito ficou perdido e só foi reencontrado em 1930 e somente publicado em 1950.
O livro incompleto narra cento e vinte dias, onde quatro nobres franceses, um padre, um financista, um juiz e um nobre, acompanhados de 46 pessoas entre velhos, jovens e crianças, arrancados a força de suas casas, são obrigados a praticar as mais bizarras práticas sexuais. Eram distribuídos em oito categorias:
a) Sete classes de súditos:
• Oito meninos;
• Oito meninas;
• Oito fornicadores;
• Quatro criadas;
• Seis cozinheiras;
• Quatro esposas;
• Quatro narradoras;
b) Uma classe de senhores:
• Os quatro libertinos
A obra é dividida em quatro partes e cada parte contém cento e cinqüenta formas diferentes de perversões sexuais, a fim de totalizar ao seu final seiscentas formas de diferentes atividades sexuais perversas.
A primeira é dedicada às paixões simples, ou de primeira classe, é a mais longa e descreve do 1º ao 30º de novembro, cento e cinqüenta formas de perversão. Incluíram-se aqui o sexo sem penetração envolvendo o contato com todas as mais diversas formas de secreções e excreções humanas.
A segunda parte é chamada de paixões duplas, ou de segunda classe, esta parte é apresentada como plano, pois não foi desenvolvida como a primeira, o plano do dia 1º de dezembro até 31 do mesmo mês, onde são elencadas as cento e cinquenta perversões sexuais a serem descritas. O sexo aparecerá aqui em todas as formas de masoquismo e sadismo, incluindo o incesto.
A terceira parte denominada de paixões criminosas, ou de terceira classe, compõe o que Sade chama de trinta e uma jornadas de janeiro, e, novamente aparecem como um plano de cento e cinqüenta perversões que ele pretende desenvolver. O autor incluirá nesta parte o sexo anal, àquela época, considerado um crime, bem como um aumento de grau de sadismo e masoquismo, indo às mutilações de todos os tipos, como elemento de prazer sexual.
A quarta parte chamada de paixões assassinas, ou de quarta classe, são os planos das cento e cinqüenta paixões que compõe as vinte e oito jornadas de fevereiro, e como podemos deduzir, inclui o sexo em que a morte do parceiro de modo terrível e doloroso é culminante.
A escrita é clara e as histórias, desenvolvem-se em pequenas histórias independentes dentro de um contexto maior.
Observamos em Sade um rigor de ordenação pelo modo como ele trata o tema e parece ele, ter a intenção de catalogar e classificar as formas de perversão, que ele reconhece fazerem parte das paixões humanas.
Nada em Sade é gratuito, viveu como preso político por se interpor a moral vigente à sua época. Fez crítica as autoridades estabelecidas, que são retratadas como os perversos senhores, dedicados ao abuso de poder das mais diferentes formas, conforme sua vontade que seria sempre a de subjugação e violação do mais fraco até destruição a em seu benefício próprio.
Ele é rico em descrições e detalhamento das qualidades desprezíveis de seus heróis da classe dos senhores dominantes: Curval, Dureet, Blangis e o Bispo.
Fica claro nessa obra que para Sade a busca desmedida e incessante dos homens em êxtase sem limites leva a morte, pois para ele a última instância do gozo era causar a morte do parceiro.
3) Uma articulação
O gozo impossível
Para quem acha o fato impossível, como verdade, ou ser apenas objeto da imaginação de um pervertido, basta consultar o que são parafilias e ficará surpreso em encontrar as mais variadas e imagináveis modalidade de perversões sexuais.
Não muito longe de nós em nossas casas, o gênero de filme chamado de Gore (O Albergue – Jogos Mortais – Hannibal) exibe diante de nossos filhos as cenas das mais terríveis torturas infligidas e executadas com requintes de crueldade, jamais por nós conscientemente pensadas. Tais filmes são sucesso de público e atribuímos as histórias à capacidade fantasiosa de roteiristas malevolamente cruéis.
Canais especiais apresentam as mais inusitadas séries de assassinatos e crimes mais terríveis cometidos exclusivamente por prazeres sádicos, por pessoas reais em situações aparentemente prosaicas.
Não podemos nos furtar a testemunhar pela reiterada audiência o grande fascínio que este tipo de filme exerce. O que poderia responder a tais sucessos não fosse a qualidade que tem esses filmes em perscrutar e compreender e denunciar e liberar a presença de poderosos instintos presentes no psiquismo reprimidamente em nosso inconsciente.
Seria uma questão pulsional posta em denúncia? A este ponto então é necessário acrescentar que estamos nos referindo a um excesso, uma forma de excesso mortal! Estamos no campo do gozo que é também o campo lacaniano, como Lacan gostaria tivesse sido chamado e estamos no início de uma longa jornada para que possamos, porque devemos elucidá-lo!
Teria desejado Sade apenas estabelecer as normas de uma conduta sexual que ultrapassando as leis humanas, permitisse ao sujeito atingir um gozo sem obstáculos? Teria desejado por outro lado denunciar tal impossibilidade, uma vez que na direção desse caminho o sujeito avança em sua própria destruição? Não podemos avançar nesse caminho sem fazer uma selvagem interpretação.
Podemos afirmar apenas que Sade fazendo seus heróis transgredir todas as leis para chegar a um gozo sem obstáculo, demonstrará que:
…“O caminho para chegar ao gozo é semeado de obstáculos quase insuperáveis. Isso significa que, mais-além de um limite, quando o sujeito avança na direção de um gozo sem freios, o corpo se espedaça”.
Valas, P – As Dimensões do Gozo, Jorge Zahar editor, 1988, Rio de Janeiro, p.33
Oshima retrata cenograficamente, o que a literatura sadiana traz como narrativa ficcional, personagens da vida real, submetidos cruelmente a uma rigorosa lei imperativa do gozar, até onde o sujeito desaparece subjetivamente e avança na direção de sua própria destruição.
Para Oshima tanto quanto para Sade há uma descrição desse gozo absoluto que nenhum corpo pode suportar, por ser a última instância de seu limite. Ambos apontam para a mesma questão, o gozo absoluto é da ordem do impossível, e nesse caminho de busca, ele é sempre mortífero!
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